Centro de aviação regional saiu de Itajaí para Navegantes em 1960, atrás de mais espaço e teve boom nos anos 2000

Aeroporto internacional começou do outro lado do rio

Centro de aviação regional saiu de Itajaí para Navegantes em 1960, atrás de mais espaço e teve boom nos anos 2000

Quem já se acostumou a ver e ouvir os aviões cruzando o céu do litoral norte catarinense não imagina a odisseia que foi construir o primeiro aeroporto da região, que hoje atende a mais de 2 milhões de passageiros anuais. Naquela época, a pista de pouso era, pasmem, o rio Itajaí-açu. De lá pra cá, o aeroporto passou por dois endereços em Itajaí durante o século 20 até se consolidar em Navegantes nos anos 2000 como agente propulsor da economia regional.

O marco histórico aconteceu em 1927, quando o ministro da Aviação do governo Getúlio Vargas, Victor Konder, que era de Itajaí, veio do Rio de Janeiro para o casamento de sua irmã. Na época, não havia voos comerciais, apenas a Cia Condor de hidroaviões, que se tornaria a Varig. É bom lembrar que a aviação estava dando seus primeiros passos, e fazia apenas 21 anos que Santos Dumont voara com o 14 Bis, em Paris.


A primeira pista de barro foi construída no final dos anos 1920 na rua Uruguai, atrás do fórum. Mas, devido ao desenvolvimento acelerado da aviação, foi preciso achar outra área para receber aviões maiores. Nos anos 1930, a prefeitura de Itajaí comprou um terreno na Barra do Rio, onde foi construída uma pista em forma de cruz, local em que hoje fica a Celesc. Aliás, o prédio onde funciona o órgão público era a estação de passageiros do aeroporto, batizado de Salgado Filho e inaugurado em 1950, em homenagem ao ministro morto num acidente aéreo.

A criação do aeroporto era uma reivindicação da classe empresarial do Vale do Itajaí e Joinville, que tinham negócios na capital da época, Rio de Janeiro, e também em São Paulo. Além disso, vários políticos graúdos tinham relação com a região, como o presidente João Goulart, que tinha casa em Balneário Camboriú e precisava pousar o teco-teco na praia, quando a maré permitia. Além de Jango, outros presidentes que passaram pelo aeroporto na fase itajaiense foram: Café Filho (1954), Juscelino Kubitschek (1957), Jânio Quadros (1959) e Castelo Branco (1965). Ninguém chamou mais a atenção do que Vera Fisher, eleita Miss Brasil em 1969.

Img Obra resgata não só o início da aviação, mas a transição do aeroporto para Navegantes

Localização geográfica contou pontos pra Navegantes

No livro "O Aeroporto de Itajaí", a historiadora Maria de Fátima Maçaneiro Schneider resgatou não só o início da aviação na cidade, mas também a fase de transição para Navegantes. Vários locais foram cogitados para receber o novo aeroporto, como Gaspar e Joinville, mas a localização geográfica contou pontos a favor de Navegantes, como lembra o historiador e ex-secretário de Educação, Edison D’Ávila, de 70 anos. “Teve quem reclamasse da transferência por ser fora de mão, mas havia a necessidade de um local plano, terra firme e desabitada, mais fácil de desapropriar. Em Itajaí, não tinha mais como expandir”, relembra.

Em 23 de agosto de 1960, o prefeito Eduardo Solon Canziani instituiu 683.223 m² no bairro de Navegantes como área de utilidade pública através do Decreto n° 369. Já o Decreto n° 370 autorizava a desapropriação, compra do terreno e transferência a título de doação para o Ministério da Aeronáutica. A notícia saiu no jornal O Povo em 25 de agosto de 1960. O que os políticos itajaienses não imaginavam é que, dois anos depois, Navegantes seria emancipada. “Acho que muitos se arrependeram”, acredita a professora aposentada Vilma Rebello Mafra, de 79 anos, que aprendeu a dirigir automóveis na pista em construção.

Edison conta que a nova pista de 1500 m x 32 m começou a tomar forma com a vinda do engenheiro João da Rocha Melo, da empresa Enteco, que se mudou para Itajaí para fiscalizar a obra, concluída em 1970. Naquele tempo, a atividade comercial era muito tímida na localidade conhecida como Lomba Grande. Quem quebrava o galho para fornecer alimentação aos trabalhadores era o primo de Vilma, Arthur Gaya Filho, que tinha um armazém de secos & molhados.

Img Chegada do ministtro Victor Konder a bordo de um hidroavião em 1927 é marco da aviação nacional

Aeroporto sem luz e travessia por balsinha

O primeiro voo a pousar no Aeroporto de Navegantes foi um Varig PP-VDT, em 12 de março de 1970, com 30 passageiros. A aeronave decolou da pista de Itajaí às 8h com destino a São Paulo e retornou às 16h. Mesmo após a inauguração, o local ainda não contava com luz elétrica nem água potável. A primeira reforma foi em 1975, quando o aeroporto ficou fechado por dois anos. A inauguração do novo terminal de passageiros aconteceu em 1978 e contou com a presença do General Ernesto Geisel, penúltimo presidente do regime militar.

Edison D’Ávila conta que foi um dos que utilizou o novo aeroporto nos primeiros anos e, apesar de ser bem melhor do que na apertada pista de Itajaí, a questão dos acessos era bem precária. “Quando a gente desembarcava tinha que pegar a barquinha de pedestre porque ainda não havia ferry-boat, ou pegar a balsa de madeira, que era puxada por um rebocador. Sem falar que a estrada dos Salseiros para pegar a BR era puro barro”, relembra.

Reynaldo Wanderech, que trabalhou 18 anos na Varig e depois comandou a agência de turismo Mundial, lembra que na época a iluminação era na base da “pomboca” (lamparinas a diesel). E a compra de passagem ainda era feita em Itajaí, assim como o bilhete aéreo era emitido com destino a Itajaí, muitos anos após a emancipação de Navegantes.

Quem mudou essa situação foi o ex-prefeito João José Fagundes (1977-1982), entrevistado no documentário “Novos Ares” (2015), de Caroline Westerkamp Costa. Ele conta que o lema de sua gestão era “Conheça Navegantes por terra e pelo ar”, e foi nesta época que foi aberta a avenida que liga o aeroporto ao ferry-boat, inaugurado em 1979.

Já ficou lendário o episódio em que ele, voltando de São Paulo num voo, ficou indignado quando o piloto avisou que iam pousar em Itajaí. Sem pensar duas vezes, escreveu um bilhete para o comandante dizendo que iria pegar um táxi para Navegantes, pois acreditava que o desembarque seria lá. A comissária levou o bilhete ao piloto, que corrigiu a informação e recomendou a ele solicitar a troca de nomes na autoridade da aeronáutica, no Rio de Janeiro.


Mudança de nome, internacionalização, reforma e privatização

Em 30 de dezembro de 2002, um dia antes de terminar o mandato de Fernando Henrique Cardoso, o presidente acatou a sugestão de mudar o nome do Aeroporto de Navegantes para Ministro Victor Konder, pioneiro da aviação. Em 22 de julho de 2004, o presidente Lula, em seu primeiro mandato, promoveu a internacionalização do aeroporto, com a intenção de integrar os países da América Latina. Mas o voo inaugural só ocorreria em 26 de dezembro daquele ano com a companhia Loyd Aéreo Boliviano, trazendo 156 passageiros de Santa Cruz de La Sierra.

Com o fortalecimento do setor turístico e crescimento das atividades portuárias de Itajaí e Navegantes, e a crescente demanda por voos, foi preciso fazer um novo projeto de ampliação do aeroporto em 2009, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que passou por sucessivas readequações. A entrega foi em 24 de maio de 2021, um mês após o leilão que concedeu à CCR Aeroportos um contrato de concessão de 30 anos.

Em 2023, o Aeroporto Internacional de Navegantes recebeu um total de 2.191.556 viajantes. Fora das capitais, é o segundo aeroporto em movimentação, atrás apenas de Campinas (SP). O Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, recebeu 3,9 milhões de passageiros. “O Aeroporto de Navegantes se tornou extremamente estratégico para o desenvolvimento da região, beneficiando o setor turístico de Balneário, Penha e Piçarras, e se tornando um corredor norte-sul da economia catarinense”, acredita Edison D’Ávila.


Fotos: Daniel Vieira e Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí