Moradora de Navegantes começou a escrever aos 66 anos seguindo recomendação médica para estimular a memória
Quando os ares da primavera soprarem no sul global, a escritora e historiadora autodidata Didymea Lazzaris de Oliveira, 93 anos, estará novamente dando autógrafos no lançamento de “Navegadores do rio e do mar”. É o 14º livro da professora aposentada, que não para de criar e resgatar histórias desde que seu médico a aconselhou a ativar a memória, ao sentir os efeitos da idade. E lá se vão 27 anos de labuta mental, quase o mesmo tempo que dedicou a dar aulas.
“Depois dos 90, eu sempre digo que será meu último livro, mas meu filho não me deixa parar, até porque sempre trabalhei a vida toda. Quando me aposentei, senti falta da vida corrida”, conta Didymea, que faz questão que a chamem pelo nome de batismo. “Meu pai era muito erudito, poeta, e colocou o nome dos filhos baseado na mitologia grega. Então, nada de Didi, meu nome é Didymea, com ênfase no ‘y’, como é no alfabeto grego”, explica.
Seu mais recente livro, que está em fase de revisão, reconstrói Navegantes muito antes da emancipação política. Numa época em que os principais núcleos habitacionais se concentravam no Pontal, habitado por famílias de pescadores, na “Praia de Itajaí”, que compreendia os 12 km de costa, onde a terra não era tão arenosa, se concentravam os lavradores de mandioca e o “Arraial de Santo Amaro”, no centro, lar dos homens do mar.
A escritora já havia feito um extenso levantamento sobre a história de Navegantes quando publicou, em 2004, “Navegantes que eu conto”, o segundo livro após “Por um pedaço de terra”, sobre seus antepassados em Luiz Alves. Em 2004, ela descreveu o nascimento do povoado, seus habitantes, marcos históricos, cultura e lendas, como a assombração do trilho, que na verdade eram faíscas ativadas pelo trem em contato com a terra molhada, rica em fósforo. A ideia de retornar ao universo náutico e bucólico de Navegantes 20 anos depois surgiu quando uma amiga perguntou sobre temas para um novo projeto cultural.
“Depois dos 90, eu sempre digo que será meu último livro, mas meu filho não me deixa parar, até porque sempre trabalhei a vida toda. Quando me aposentei, senti falta da vida corrida” - Didymea Lazzaris de Oliveira
Volta ao passado
Foi aí que Didymea lembrou de causos e fatos históricos sobre pescadores, lavradores e marítimos que não haviam sido explorados no livro anterior. Desta vez, porém, ela usou a imaginação fértil para criar diálogos entre informantes locais e visitantes que chegavam à cidade, curiosos sobre aquela terra, aquele povo e seus meios de sustento. Em menos de seis meses nasceu seu novo rebento literário, menos de um ano após o lançamento de sua autobiografia “Violetas roxas – memórias de uma nonagenária”.
Testemunha da história do Brasil
Didymea nasceu durante a Revolução de 1930, longe dos olhos de Getúlio Vargas.
A relação da escritora com Navegantes começou nos anos 1950, quando Didymea se formou como normalista no Colégio São José, casou-se e foi trabalhar do lado de lá do rio, quando a localidade era distrito de Itajaí. E como a travessia era muito difícil, ainda feita em barco à vela, ela acabou indo morar na casa reservada à diretora do Grupo Escolar Júlia Miranda de Souza, que funcionava na Colônia de Pescadores. Lá ficou até 1959; nos anos 1960 foi promovida a inspetora escolar e retornou a Itajaí, já que teria que circular por vários municípios. “Quantas vezes viajei de carroça, de caminhão de carga pelos interiores de Luiz Alves, Navegantes e Itajaí!”, recorda.
Graças à sua invejável longevidade e clareza mental, Didymea pôde testemunhar fatos que moldaram os destinos de Santa Catarina e do Brasil. Nascida numa família de imigrantes italianos, que chegaram a Luiz Alves em 1886, a caçula de oito irmãos veio ao mundo em plena Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas tomou o poder e instituiu o Estado Novo. “Meu pai fazia campanha para Júlio Prestes, por isso nos refugiamos numa fazenda por causa da perseguição. Só voltamos para Itajaí porque minha mãe queria que os filhos estudassem”, revela.
Em 1962, ela viu Navegantes conquistar a emancipação política e o primeiro voo para São Paulo decolar do aeroporto. O antigo arraial ganhou novos ares, novos bairros, um novo meio de transporte fluvial (ferry-boat) nos anos 1970, e diversificou a economia. Após os anos 2000, Didymea recebeu o título de cidadã honorária por seu pioneirismo na educação e resgate histórico da cidade, e teve a alegria de ver um trecho do livro “Navegantes que eu conto” na abertura do livro em comemoração aos 15 anos da Portonave, em 2022.
Fotos: Renta Rosa e Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí